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Monday, January 30, 2006

Um excelente texto do Ricardo Gondim

Minha cautela contra a soberba
Ricardo Gondim.

Vez por outra, sobressaltado, descubro que sou um terrível inimigo de mim mesmo. Assombrado, percebo que me recostei numa cama tecida de loiros, embriagado com o mosto barato de minhas parcas conquistas.

Noto como criei uma ansiedade messiânica de me convencer que minhas idéias eram definitivas; fiz uma leitura absolutizada da vida; percebi-me presenteado com uma fina sensibilidade para escutar a voz audível de Deus e ser seu profeta preferido.
Nesse torpor narcíseo, manejei os mecanismos de autocensura, buscando manter-me bem quisto dentro do sistema religioso. Consegui alienar-me da capacidade de questionar, antecipei o discurso preferido do grupo, e assim perdi minha verve criativa. Senti-me contente em repetir enfadonhamente o trabalho do pensar alheio. Aluguei minha consciência, esmagado pelo imperativo da sobrevivência. Depois, envaidecido, acabei vendendo minha alma como a prostituta faz com seu corpo.

E para maquiar esta condição patética, procurei conferir autoridade absoluta às minhas verdades, condenando os que não aceitaram cabrestos tão justos. Afoguei-me em pequenas poças d’água, defendi ortodoxias que nem sabia definir corretamente.
Aprendi a manter-me solidário às idéias mais que às pessoas. Entrincheirado nas plataformas da retórica, pronunciei conceitos e vociferei discursos invertebrados. Soube manter meu coração protegido das pessoas, entulhando minha mente com idéias renovadoras. Preferi esconder-me atrás de uma biblioteca e regurgitar frases de impacto a expor-me diante das pessoas que podiam ferir meu egoísmo.

Lamento que eu tenha me inspirado no que a religiosidade tinha para alimentar minha presunção. Fortaleci-me comendo esse pão mofado, mas desaprendi a chorar diante do grande drama humano; julguei precipitadamente os fracos e fui lento em dar espaço para que meu próximo vivesse suas contingências. Minha implacabilidade não passava de um recurso para esconder minhas crises espirituais.

Sem atinar que fé nasce da incerteza, tentei colocar minhas convicções espirituais nas categorias mais exatas. Vivi uma hipocrisia velada sem conseguir admitir meus dilemas e sem poder revelá-los. Eu temia que os religiosos me julgassem um fraco que perdeu sua alma.
Venho aprendendo a descansar na gratuidade do amor de Deus. Sinto que não preciso me provar para Ele e para ninguém.

Os traumas do que vivi nos corredores eclesiásticos são dolorosos; há muito que reaprender. Agora, pelo menos, percebo-me mais livre e menos rigoroso comigo e com o próximo. Ando mais consciente de que viver é tão complexo que posso contar com a paciência compreensiva de Deus enquanto celebro minha existência como marido, pai, irmão e amigo.

Soli Deo Gloria.

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